«No man and no woman is an island, but everyone of us is a peninsula, half attached to the mainland, half facing the ocean - one half connected to family and friends and culture and tradition and country and nation and sex and language and many other things, and the other half wanting to be left alone to face the ocean.»
Amos Oz, «How to cure a fanatic» in How to cure a fanatic, Princeton & Oxford, Princeton University Press, 2006
seis e meia,
está na hora de partirmos juntos para o mundo
ver o que há na esquina deste amanhã.
vamos de mãos dadas
mas, se preciso for
soltamos as mãos
porque quando o calor aperta ficas com a pele húmida
e é desagradável sentir o teu suor.
o que interessa é andar a par
mas, se preciso for
vamos em filinha indiana
eu à frente tu atrás e entre nós cinco ou seis calmeirões.
o que conta é estarmos juntos
assim coladinhos como a sardinha
mas, se preciso for
dizes para me afastar porque precisas de espaço.
o que conta é olhar na mesma direcção
ter os mesmos sonhos e vontades
mas, se preciso for
vais para o Dubai e eu fico no Penedo da Saudade
contas notas de milhão e eu crio galinhas por vaidade.
o que conta é gostar numa forma livre
mas, se preciso for
prendes-me no teu silêncio
e fechas-me naquele quarto minúsculo.
o que conta é gostares de mim sem qualquer lei
mas, se te enganares a aplicar o beijo da manhã
e mo deres na bochecha errada
ou me olhares com jeitos de enganada
levo-te a tribunal e nunca mais és ninguém.
achas?
enfim,
podemos até nunca nos conhecermos
mas gostarmo-nos e aceitarmo-nos.
podemos ser perfeitos estranhos,
seres confusos e complexos,
com túneis e labirintos muito compridos.
eu não te quero conhecer…
e não preciso que tu saibas como eu sou.
apenas desejo amar-te
e que me deixes sentir-te.
quero tocar-te,
mesmo que apenas com o olhar
e saber-te ali naquele instante.
como dançarinos estranhos,
conhecemos a dança,
sabemos os passos,
onde acaba a pista e as manhas do artista.
seremos reis do salão
enquanto não tropeçamos
frente ao júri estatelados,
olhando-nos a sorrir.
e que interessa quem se enganou?
dançamos e gostamos de dançar,
trocamos as voltas aos passos e abraçados escorregamos
no dia do início,
suspensos numa pachorra morna,
sorríamos.
naquele sítio estranho,
sem minutos,
nem horas,
tinhamos todo o tempo
mas nem mais um segundo.
olhaste-me suavemente
e nesse momento
ateou-se o rastilho do mundo.
o tempo arrancou.
em matéria projectada e
numa amálgama em expansão
fomos atirados numa órbita dispersa
para fora do nada
perdi-te,
e desde então
busquei-te em negros buracos,
em constelações estranhas.
ouvi dizer que eras antimatéria animal,
barro celestial e até um cartucho,
daqueles de papel jornal em que se vendem castanhas assadas.
isto até te encontrar,
na forma voluptuosa de um quartzo pedra rosa.
agora trago-te comigo
e dormes na minha mão.
um dia vamos mudar de forma outra vez
e quem sabe,
num misterioso sincronismo,
voltemos ao mesmo vácuo
à mesma pachorra
ao mesmo sorriso
julguei ser mais.
durante anos pensei existir em mim,
crescer e envelhecer
mas descobri que afinal sou um simples pelo.
um cabelo vermelho caído da nuca para o chão,
e que tudo o resto és tu.
os músculos que me transportam,
os orgãos vitais e outros,
o sistema linfático.
tudo em mim és tu.
o momento em que acordo
e quando sonho,
aquele passeio que dou
e quando regresso a casa.
tudo isto és tu.
eu vou ondulando,
caído aos teus pés.
no meio dos outros sou vermelho,
desta cor que me trai
e me julga apaixonado
mas eu não sou paixão,
eu nem gosto de ti.
és mais uma que anda por aí
sim.
sou vermelho e depois?
nota-se assim tanto?
quando o vento vem
e brinco agarrado a ti
e me rio
sou como o fio de um regato no verão,
fresco quando te toco
a beijar a margem
e me sugas a razão
de manhã olhas-te ao espelho
e eu estou lá
mas nem me falas porque
não se fala com o cabelo,
toda a gente sabe.
e acima de tudo és zelosa dos trâmites sociais
e nunca irias dirigir-te a um pelo.
quanta vergonha
e se algém notasse?
ou imaginasse?...
mas um dia destes,
quando me vires,
podes puxar-me
sacar a raíz e levar-me contigo