julguei ser mais.
durante anos pensei existir em mim,
crescer e envelhecer
mas descobri que afinal sou um simples pelo.
um cabelo vermelho caído da nuca para o chão,
e que tudo o resto és tu.
os músculos que me transportam,
os orgãos vitais e outros,
o sistema linfático.
tudo em mim és tu.
o momento em que acordo
e quando sonho,
aquele passeio que dou
e quando regresso a casa.
tudo isto és tu.
eu vou ondulando,
caído aos teus pés.
no meio dos outros sou vermelho,
desta cor que me trai
e me julga apaixonado
mas eu não sou paixão,
eu nem gosto de ti.
és mais uma que anda por aí
sim.
sou vermelho e depois?
nota-se assim tanto?
quando o vento vem
e brinco agarrado a ti
e me rio
sou como o fio de um regato no verão,
fresco quando te toco
a beijar a margem
e me sugas a razão
de manhã olhas-te ao espelho
e eu estou lá
mas nem me falas porque
não se fala com o cabelo,
toda a gente sabe.
e acima de tudo és zelosa dos trâmites sociais
e nunca irias dirigir-te a um pelo.
quanta vergonha
e se algém notasse?
ou imaginasse?...
mas um dia destes,
quando me vires,
podes puxar-me
sacar a raíz e levar-me contigo